Por Bruno Davanzo – professor de meditação na tradição budista e tai chi chuan estilo Chen
O texto abaixo é a minha busca sincera em aplicar os ensinamentos budistas da meditação dados pelo Lama Padma Samten à prática do Tai Chi Chuan.
O que acontece muitas vezes com um praticante de Tai Chi é que no início ele se sente motivado em aprender o encadeamento (ou kati). Logo após corremos o risco de perder o que o mestre zen Shunruy Suzuki (Mente Zen, Mente de Principiante) define lindamente como nosso espírito de principiante. Aquele que está aprendendo tem a plena atenção, está receptivo. Quando transitamos para o estado que já sabemos, como um perito, estagnamos nosso aprendizado por acreditar que já sabemos.
Para transformar a prática do Tai Chi Chuan numa verdadeira prática de meditação em movimento podemos lembrar dos ensinamentos do nosso querido Lama: “Qual a paisagem mental do praticante? A mente não segue sequências de pensamentos? O praticante está atento, presente? Qual a postura do corpo?” Essas instruções que são dadas na prática da meditação sentada, são inteiramente aplicadas ao movimento que executamos no Tai Chi Chuan e podemos ampliar para qualquer outro movimento, não é mesmo?
No caso do Tai Chi Chuan qual seria a nossa paisagem mental? Às vezes as pessoas podem se aproximar do Tai Chi como um exercício físico que nos ajuda a relaxar, que produz uma melhora da circulação sanguínea e também da nossa flexibilidade para citar alguns dos benefícios. Mas certamente esses são aspectos mais externos da prática. Parece que vamos aprendendo a executar cada vez melhor o movimento, mas o que acontece de fato é que nossa mente vai se transformando, vai se transferindo de uma paisagem mental para outra, uma mudança de dentro para fora. A partir da mudança de paisagem mental, o movimento se torna completamente natural. Por exemplo, os movimentos do Tai Chi são lentos, contínuos e circulares. Mas quando alguém começa a executar os movimentos revela seu estado interno, e se não houver um estado de paz interior a lentidão a princípio pode até causar um pouco de irritação. Então percebemos a verdadeira prática, não estamos apenas fazendo um exercício físico, mas estamos treinando nossa mente. Podemos usar isto como nossa paisagem mental: temos essa clara intenção de que estamos treinando nossa mente. Ao praticarmos estamos estabelecendo a paisagem mental e ao mesmo tempo nossa mente foca os princípios essenciais da prática. De fato os praticantes podem até ganhar alguma habilidade física sem uma verdadeira transformação interior, mas é como se a paisagem mental não estivesse presente, então aquilo ainda é um esforço e os movimentos não serão completamente naturais.
Quando executamos os movimentos temos a paisagem mental correta de que o movimento também é uma expressão, como um termômetro, de nossos estados internos. Para que a nossa mente não se disperse, usamos um foco exato, sabemos exatamente onde ela deve-se concentrar. No caso do Tai Chi, procuramos nos concentrar nos princípios essenciais transmitidos pelos mestres do Tai Chi de como realizar os movimentos respeitando fundamentos, que seriam como conselhos de coração para os praticantes. Sem adentrar nos detalhes destas instruções, quero salientar que manter o foco exato sem dispersão parece algo simples, mas de fato exige alguma dedicação. Por exemplo, um dos pontos essenciais da prática é sentir como um fio puxando o topo de nossa cabeça em direção ao céu. O que acontece é que logo de início até que conseguimos sentir, mas de repente nossa mente vagueia. Na realidade isso faz parte da prática, não rejeitamos, mas estamos atentos e voltamos à atenção para o nosso foco. Quando conseguimos realizar este ponto então a experiência é completamente natural, não há esforço. Quando isso acontece é porque realmente estamos na paisagem mental sutil. Nosso fluxo mental segue a paisagem mental, não há dispersão, nossa energia é completamente estável, sentimo-nos fluindo com o movimento, a postura do corpo se alinha naturalmente. É como um estágio de desenvolvimento, onde nos sentimos fazendo algum esforço para atingir algo, e o estágio da realização onde a experiência surge naturalmente.
Ao executarmos os movimentos pode parecer ao praticante que ele se acalma de fora para dentro. Mas de fato, quando os movimentos forem executados de forma serena, lenta, contínua e tenham uma intenção clara, significa que o praticante já está na paisagem mental correta. Podemos treinar exaustivamente o movimento externo, mas se a mudança interna não acontece, ainda nos sentiremos fazendo esforço. Quanto mais lúcida e detalhada a paisagem mental da serenidade, então o movimento externo aparece naturalmente.
Agradeço de coração ao meu mestre! Mãos em prece!